No que tange aos diagnósticos clínicos, uma pergunta que podemos nos fazer é qual é o grau de acurácia diagnóstica que nossos instrumentos nos permitem atingir. Em outras palavras, o quanto o instrumento acerta em acusar a presença ou a ausência de um diagnóstico clínico em pacientes? Para essa finalidade, uma ferramenta analítica útil é a receiver operating characteristic (ROC) curve, ou, em português, curva ROC.
Neste post, falaremos brevemente sobre a curva ROC e sua utilidade na avaliação da acurácia diagnóstica e do estabelecimento de pontos de cortes clínicos. Além disso, recomendaremos um tutorial em nosso canal do YouTube, que se aprofunda ainda mais em como realizar uma análise de curva ROC no SPSS.
O que é acurácia diagnóstica?
Vamos supor que, em um determinado dia, 200 pessoas buscaram os serviços de atenção primária à saúde de um município para realizar o teste rápido de COVID-19. Algumas dessas pessoas genuinamente estão com COVID-19, enquanto outras, embora apresentem sintomas consistentes com a doença, possuem outros quadros clínicos.
No contexto supracitado, podemos definir a acurácia diagnóstica de um teste como sua capacidade de diferenciar aqueles que estão daqueles que não estão com COVID-19. Em um cenário ideal, esperaríamos que nosso teste sempre desse positivo para casos positivos, e sempre negativo para casos negativos.
Na prática, contudo, os testes são suscetíveis a erros. Desse modo, podemos usar indicadores de acurácia diagnóstica para avaliar a capacidade discriminativa de diferentes instrumentos — ou de um mesmo instrumento, considerando-se diferentes pontos de corte.
O que são pontos de corte?
Agora, vamos considerar um instrumento de autorrelato, em que os respondentes leem uma série de afirmações e fazem julgamentos acerca dessas afirmações. Ao final, cada respondente recebe um escore com base em seu respectivo padrão de resposta.
Por exemplo, no caso de um inventário de depressão, Ana recebe o escore 28, enquanto Elias recebe o escore 42. Mas esses valores são indicativos de um diagnóstico clínico de depressão?
Ao invés de “diagnosticar”, os instrumentos de autorrelato simplesmente geram escores, mas cabe ao aplicador do instrumento interpretar essas representações numéricas. Nesse sentido, pesquisadores buscam identificar pontos de corte para embasar a tomada de decisão de profissionais clínicos.
Sendo assim, podemos definir um ponto de corte como o menor escore necessário para ser diagnosticado como tendo uma condição clínica. Por exemplo, se o ponto de corte de nosso inventário fosse 25, categorizaríamos tanto Ana quanto Elias como tendo depressão clínica, pois ambos tiveram escores acima desse valor.
Em contrapartida, se o ponto de corte fosse 46, nenhum deles seria classificado como tendo depressão, já que ambos tiveram escores abaixo desse valor. Por fim, se o ponto de corte fosse 32, apenas Elias, que teve um escore igual a 42, seria diagnosticado como tendo depressão clínica (Figura 1).
Por que a curva ROC é útil para determinar o melhor ponto de corte?
Mas como definir o ponto de corte de um teste? Na prática, pesquisadores selecionam respondentes com e sem a condição clínica investigada pelo instrumento sob avaliação.
Para isso, eles usam uma medida padrão-ouro como critério externo de comparação. Por exemplo, no caso da depressão, vamos supor que nosso objetivo seja diagnosticar transtorno depressivo persistente (distimia). Para esse fim, nosso padrão-ouro será a avaliação clínica feita por psiquiatras experientes, seguindo, por exemplo, os critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR).
Em seguida, aplicamos em nossa amostra o instrumento que estamos desenvolvendo. Por fim, avaliamos diferentes pontos de corte do teste, buscando responder à seguinte pergunta: o quão bem o teste discrimina respondentes dos grupos controle e clínico em cada um dos pontos de corte?
Para isso, consideramos dois índices, a sensibilidade e a especificidade. A sensibilidade estima a capacidade do teste em identificar corretamente os verdadeiros positivos, ou seja, aqueles que realmente possuem a condição sendo testada. Por outro lado, a especificidade estima a capacidade do teste em identificar corretamente os verdadeiros negativos, ou seja, aqueles que não possuem a condição sendo testada (Figura 2).
A curva ROC é um gráfico de linhas que plota a relação entre 1 – especificidade, no eixo x, contra a sensibilidade, no eixo y, considerando diferentes pontos de corte (Figura 3).
A curva ROC, como a da Figura 3, visa identificar o melhor ponto de corte para maximizar a acurácia na classificação de casos positivos e negativos. Em outras palavras, ela busca determinar o ponto de corte que mais se aproxima do canto superior esquerdo do gráfico, o que indicaria um teste perfeito.
Quais as aplicações da curva ROC?
Podemos utilizar a curva ROC para avaliar a acurácia diagnóstica de testes clínicos (como o teste de COVID-19) e de instrumentos de autorrelato (como inventários de depressão).
Além disso, como dito anteriormente, podemos usar a curva ROC para comparar a acurácia diagnóstica de dois testes distintos. Por exemplo, a Figura 4 ilustra as curvas ROC para dois testes clínicos. Nesse exemplo, o Teste A é mais acurado que o Teste B em diferentes pontos de corte, pois ele sempre está mais próximo do canto superior esquerdo, que indica acurácia perfeita.
A curva ROC também se aplica à avaliação da acurácia de modelos de classificação em machine learning. Nesse cenário, o nosso “teste” consiste na representação matemática que prediz uma variável critério com base em um conjunto de variáveis preditoras (ou features). O que avaliamos, portanto, é o quão acurado nosso modelo é em prever as classes presentes em nosso banco de dados.
Por fim, a curva ROC tem sido aplicada de forma bem sucedida na pesquisa experimental. Por exemplo, a sensibilidade e a especificidade de respondentes a estímulos são avaliadas por meio de curvas ROC em experimentos de psicofísica, de memória e de raciocínio silogístico, para citar alguns exemplos. Em tais casos, a curva ROC é uma ferramenta útil para comparar predições oriundas de diferentes teorias psicológicas.
Como construir uma curva ROC?
Para construir uma curva ROC, você primeiramente deverá ser capaz de classificar os elementos de sua amostra em grupos controle e clínico, com base em algum teste padrão-ouro disponível em sua área de pesquisa.
Além disso, você deve aplicar o instrumento cuja acurácia diagnóstica pretende avaliar. O banco de dados típico para uma curva ROC simples possui duas colunas, contendo o grupo ao qual cada observação pertence e o escore obtido no instrumento sobre avaliação. Apresentamos um exemplo na Figura 5, onde acrescentamos uma coluna de identificação do participante, embora essa coluna não seja estritamente necessária.
Agora, vamos para a parte prática! Basta dar o play que vamos te ensinar passo a passo como construir uma curva ROC no SPSS!
Conclusão
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Referências
Gonçalves, A. P., Pianowski, G., & Carvalho, L. F. (2021). Indicadores de acurácia diagnóstica. In C. Faiad, M. N. Baptista & R. Primi (Orgs.), Tutoriais em análise de dados aplicados à psicometria (pp. 128–142). Editora Vozes.
Oliveira, G. M., Camargo, F. T., Gonçalves, E. C., Duarte, C. V. N., & Guimarães, C. A. (2010). Revisão sistemática da acurácia dos testes diagnósticos: Uma revisão narrativa. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, 37(2), 153–156. https://doi.org/10.1590/S0100-69912010000200013
Como citar este post
Lima, M. (2025, 8 de janeiro). Tutorial: Curva ROC – Diagnóstico clínico, sensibilidade e especificidade. Blog Psicometria Online. https://www.blog.psicometriaonline.com.br/tutorial-curva-roc-diagnostico-clinico-sensibilidade-e-especificidade/
Respostas de 2
conteúdo excelente
Obrigado, Paulo! Que bom que o conteúdo contribuiu!
Equipe Psicometria Online.