Neste post, falaremos sobre a análise multivariada de variância (MANOVA), uma técnica estatística que avalia se grupos diferem na combinação linear de duas ou mais variáveis dependentes.
Primeiramente, revisitaremos a análise de variância (ANOVA) e apresentaremos a lógica de sua contraparte multivariada — a MANOVA. Em seguida, apresentaremos algumas vantagens da MANOVA sobre a ANOVA. Depois, nós faremos uma breve crítica ao uso da MANOVA na literatura científica. Por fim, recomendaremos alternativas ao uso da MANOVA, a depender de sua exata pergunta de pesquisa.
Revisitando a análise de variância (ANOVA)
Em posts anteriores, nós descrevemos a ANOVA, uma família de testes estatísticos que compara três ou mais grupos em função de uma variável dependente quantitativa. Por exemplo, considere a seguinte pergunta de pesquisa: existem diferenças no desempenho acadêmico de crianças filhas de pais autoritários, autoritativos, indulgentes e negligentes?
Nesse exemplo, o estilo parental é a variável independente, enquanto o desempenho acadêmico é a variável dependente. Sendo assim, a ANOVA é um teste global que avalia se pelo menos um par de grupos difere entre si na variável dependente de interesse.
No entanto, existem situações em que não somos capazes de distinguir grupos com base em uma única variável dependente. Por exemplo, considere que comparamos os Grupos A, B e C em duas variáveis dependentes distintas (Figura 1).
Conduzimos duas ANOVAs considerando o exemplo anterior, uma para cada variável dependente. Adotando-se níveis convencionais de significância (α = 0,05), não encontramos efeitos significativos do grupo sobre a variável dependente 1, F(2, 147) = 1,90, p = 0,15, η² = 0,025; nem sobre a variável dependente 2, F(2, 147) = 1,52, p = 0,22, η² = 0,02.
Qual é a lógica da análise multivariada de variância (MANOVA)?
No entanto, a MANOVA é capaz de responder a uma questão multivariada que as ANOVAs individuais não respondem: os grupos diferem em uma combinação linear das variáveis dependentes?
Em outras palavras, na MANOVA, criamos uma variável estatística, que consiste em um compósito das variáveis dependentes, e tentamos diferenciar os grupos em função dessa variável.
A Figura 2 ilustra essa ideia. Nela, plotamos um diagrama de dispersão dos escores dos participantes nas variáveis dependentes 1 e 2, com cores distinguindo os Grupos A, B e C. Nela, também assinalamos elipses, que ilustram a ideia de que a MANOVA compara os vetores de médias (ou “perfis de médias”) dos grupos.
Uma MANOVA conduzida considerando o grupo e as variáveis dependentes anteriores indicou um efeito significativo, V = 0,16, F(4, 294) = 6,33, p < 0,001, o que sugere que podemos distinguir os grupos com base em seus respectivos vetores de médias — mas não com base nas médias individuais.
Quais são as vantagens da análise multivariada de variância (MANOVA)?
Antes de mais nada, uma justificativa comumente invocada para o uso da MANOVA, em detrimento de múltiplas ANOVAs, é com a finalidade de proteger pesquisadores de um aumento na probabilidade de erro Tipo I.
No entanto, Huberty e Morris (1989) argumentam de forma contundente que essa não é uma justificativa válida para o uso da MANOVA. Isso ocorre justamente porque ANOVAs e MANOVAs atacam questões de pesquisa conceitualmente distintas. Portanto, são as questões de pesquisa que queremos responder que devem guiar a escolhar da técnica analítica.
De modo a pensar nas vantagens da MANOVA, devemos considerar as questões que ela responde, e que a ANOVA é incapaz de responder. Primeiramente, ela é capaz de investigar diferenças entre grupos em vetores de médias. Alguns metodólogos argumentam que, quando as medidas subjacentes a essas médias têm correlação, a MANOVA é mais sensível na detecção de feitos do que múltiplas ANOVAs.
Além disso, uma vez identificado o efeito da MANOVA, também podemos investigar quais subconjuntos de variáveis dependentes permitem distinguir os grupos. Por exemplo, em uma MANOVA com cinco variáveis dependentes, podemos concluir que apenas a combinação linear de três delas de fato contribuem para as diferenças grupais.
Por fim, como as variáveis dependentes têm cargas fatoriais em nossa variável estatística, é possível investigar a contribuição ou peso relativo de cada variável na separação dos grupos. Vale ressaltar, contudo, que esses dois últimos objetivos exigem que a MANOVA seja seguida por outras técnicas analíticas, como a análise discriminante.
Devo realmente conduzir uma análise multivariada de variância (MANOVA)?
Talvez o principal problema da aplicação da MANOVA na literatura científica seja seu uso apenas para fins de proteção contra o aumento da taxa de erro Tipo I.
Em outras palavras, pesquisadores possuem questões genuinamente univariadas, que seriam adequadamente respondidas com múltiplas ANOVAs. No entanto, visando uma suposta proteção contra uma inflação da taxa de erro Tipo I, eles buscam proteção conduzindo uma MANOVA preliminar.
O problema dessa abordagem é que a MANOVA não aborda as perguntas univariadas de pesquisa que pesquisadores têm em mãos. A regra aqui é clara: se as perguntas de pesquisa são univariadas, devemos optar pelo uso de técnicas univariadas — neste caso, a ANOVA.
Vamos a um exemplo prático. Suponha que queremos avaliar se existem diferenças entre três intervenções (terapia analítico-comportamental, terapia cognitivo-comportamental, controle) quanto aos seus níveis ansiedade, depressão, bem-estar e resiliência (Figura 3).
Se queremos inspecionar diferenças em cada uma das variáveis dependentes, separadamente, deveremos conduzir quatro ANOVAs. Em contrapartida, se o objetivo for for investigar o impacto geral da intervenção na combinação linear das variáveis ansiedade, depressão, bem-estar e resiliência, deveremos conduzir uma MANOVA.
Contudo, lembre-se que a ANOVA é um teste global que avalia se os grupos diferem; em caso de resultado significativo, testes post hoc são conduzidos para identificarmos quais grupos diferem significativamente.
De maneira similar, a MANOVA avalia se os grupos diferem em vetores de médias. Em caso de resultados significativos, precisamos quais médias contribuem para as diferentes grupais, e qual é a contribuição relativa (i.e., os pesos) das diferentes médias. No entanto, raramente pesquisadores conduzem os testes adequados (análise discriminante) após uma MANOVA estatisticamente significativa.
Alternativas à análise multivariada de variância (MANOVA)
Huang (2020) defende algumas alternativas à MANOVA. Elas podem ser agrupadas em três conjuntos, cada um deles com foco em um propósito distinto que pesquisadores podem ter em mente (veja a Tabela 1).
Foco da pesquisa | Procedimento | Vantagem |
Diferenças médias entre variáveis dependentes baseadas em variáveis de pertencimento grupal (e.g., intervenção) | Regressão com correção para comparações múltiplas (e.g., Bonferroni) | • Comumente usada e de fácil compreensão • Corrige para a inflação da taxa de erro Tipo I |
Diferenças médias latentes baseadas em variáveis de pertencimento grupal (e.g., intervenção) | Modelagem por equações estruturais | • Considera as correlações entre variáveis observadas • O resultado é livre de erro de mensuração • Fornece índices de ajuste do modelo |
Mudanças ao longo do tempo | Análise de curva de crescimento latente ou modelagem multinível | • Fornece índices de ajuste do modelo • Lida com dados ausentes ou com ocorrência desigual de eventos (dados desbalanceados) |
A fim de avaliar diferenças entre médias em variáveis dependentes observadas (i.e., para perguntas univariadas), Huang (2020) recomenda o uso de regressão linear com correção para comparações múltiplas — como a correção de Bonferroni.
Em contrapartida, se o objetivo for comparar diferenças entre médias de variáveis dependentes latentes (e.g., escores fatoriais obtidos por meio de ajuste de modelos de mensuração aos dados), Huang (2020) recomenda o uso de modelagem por equações estruturais (MEE).
Por fim, no caso de delineamentos de medidas repetidas, em que se almeja avaliar mudanças ao longo do tempo, Huang (2020) sugere o uso de análise de curva de crescimento latente (uma técnica de MEE) ou de modelagem multinível que leva em consideração a relação de dependência dos escores em diferentes pontos do tempo, bem como a estrutura hierárquica presente nos dados.
Conclusão
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Referências
Huang, F. L. (2020). MANOVA: A procedure whose time has passed? Gifted Child Quarterly, 64(1), 56–60. https://doi.org/doi.org/10.1177/0016986219887200
Huberty, C. J., & Morris, J. D. (1989). Multivariate analysis versus multiple univariate analyses. Psychological Bulletin, 105(2), 302-308. https://doi.org/10.1037/0033-2909.105.2.302
Como citar este post
Lima, M. (2025, 18 de fevereiro). O que é análise multivariada de variância (MANOVA)? Blog Psicometria Online. https://www.blog.psicometriaonline.com.br/analise-multivariada-de-variancia-manova/