Neste post, explicaremos o que é uma revisão metanalítica, um tipo especial de revisão sistemática que sintetiza quantitativamente a evidência disponível. Primeiramente, diferenciaremos revisão metanalítica de revisão sistemática e de metanálise. Em seguida, apresentaremos as sete etapas propostas por Harris Cooper para conduzir uma revisão metanalítica. Por fim, indicaremos recursos úteis para aprender mais sobre o tema.
Qual é a diferença entre revisão sistemática, revisão metanalítica e metanálise?
A revisão sistemática é um tipo de revisão que descreve, de forma estruturada e transparente, as evidências disponíveis sobre um tema. Nela, os autores detalham as questões de pesquisa e o escopo da revisão, bem como os critérios de elegibilidade dos estudos (Higgins & Thomas, 2019). Além disso, os autores também especificam decisões importantes, como quais bases de dados foram usadas e quais descritores foram aplicados nas buscas (Lakens et al., 2016). Esse detalhamento permite que a revisão seja potencialmente replicável.
Por outro lado, a revisão metanalítica é uma revisão sistemática que vai além: ela sintetiza quantitativamente a evidência disponível. Por exemplo, pesquisadores podem calcular medidas de tamanho, como o r de Pearson, o g de Hedges ou a razão de chances, para integrar os achados de vários estudos sobre um mesmo tema.
A metanálise, por sua vez, refere-se a um conjunto de técnicas estatísticas que integram os resultados de estudos primários Desse modo, a revisão metanalítica consiste em uma revisão sistemática que faz uso da metanálise para sintetizar os achados dos estudos incluídos na revisão. Assim, a revisão metanalítica utiliza a metanálise como ferramenta central para sumarizar os achados dos estudos incluídos.
Embora o termo “metanálise” seja frequentemente usado para se referir a revisões metanalíticas, esse uso é impreciso. Isso ocorre porque a metanálise pode ser aplicada fora do contexto de revisões metanalíticas, enquanto a revisão metanalítica vai além do simples uso de técnicas de metanálise. Neste post, adotaremos a distinção apresentada.
O modelo de sete etapas da revisão metanalítica de Cooper (2016)
Harris Cooper, renomado psicólogo social, dedicou grande parte de sua carreira à síntese e metodologia de pesquisa. Em seu livro Research Synthesis and Meta-Analysis: A Step-by-Step Approach, ele propõe um modelo de sete etapas para realizar revisões metanalíticas. Em seguida, apresentamos um resumo de cada uma delas.
Etapa 1: Formular o problema da revisão metanalítica
A formulação do problema de pesquisa é o ponto de partida. Nesta etapa, você deve definir as variáveis de interesse, bem como as relações de interesse entre essas variáveis.
Quanto à definição das variáveis de interesse, mais do que apenas indicar quais são as variáveis relevantes, pesquisadores também devem definir conceitual e operacionalmente essas variáveis. Por exemplo, podemos definir um mesmo conceito teórico – como personalidade, atenção ou altruísmo – de múltiplas formas, além de operacionalizá-los através de medidas distintas.
A estratégia PICO contribui na formulação de perguntas de pesquisa precisas e relevantes para estudos de revisão sistemática, na medida em que ela indica quais aspectos os pesquisadores precisam considerar durante a elaboração do problema da pesquisa. Em síntese, segundo a estratégia PICO, devemos formular a pergunta de pesquisa em termos da população-alvo, da intervenção/exposição de interesse, da condição de comparação e do desfecho (outcome) ou variável dependente mensurada.
Saiba mais: Estudos de revisão sistemática: o uso da estratégia PICO
Etapa 2: Buscar a literatura relevante
Em seguida, pesquisadores realizam as buscas da literatura relevante, de modo a obter evidências que responderão à pergunta de pesquisa. Para essa finalidade, pesquisadores precisam tomar três decisões.
Primeiramente, eles definem as fontes de busca de literatura relevante, tais como bases de dados (e.g., SciELO), repositórios e fontes de literatura cinzenta. Para esse fim, o uso do Portal de Periódicos CAPES pode ser útil, pois ele disponibiliza uma série de bases de dados relevantes para ciências sociais e comportamentais.
Em segundo lugar, pesquisadores definem quais termos usar na busca pela evidência relevante. Por exemplo, pesquisadores interessados no construto aprendizagem observacional precisam estar cientes de que ambos os termos “observational learning” e “vicarious reinforcement” são úteis para encontrar registros relevantes para a revisão.
Por fim, pesquisadores definem os critérios de elegibilidade (i.e., de inclusão e de exclusão) de registros na revisão de literatura. Isso é fundamental, pois nem todos os registros obtidos nas buscas às bases de dados contribuem para responder à pergunta de pesquisa.
Veja também: Como pesquisar artigos no SciELO?
Etapa 3: Coletar informações dos estudos
Na etapa seguinte, os pesquisadores coletam as informações relevantes contidas nos estudos selecionados. Comumente, essa etapa se divide em duas ou mais subetapas, como a de triagem, onde os pesquisadores fazem uma leitura mais superficial do título e do resumo do registro; e a de leitura dos registros na íntegra, de modo a preencher uma planilha com as informações relevantes para a revisão.
As informações relevantes dos registros irão variar a depender dos objetivos do estudo, mas elas costumam incluir nomes dos autores e ano do artigo, medidas de tamanho de efeito e de variância dessas estimativas. Por fim, outra informação relevante consiste na codificação de potenciais variáveis moderadores teórica ou empiricamente relevantes.
Uma vez que essa etapa envolve a recuperação manual das informações, é importante que os envolvidos recebam treinamento prévio sobre como realizar a codificação. Além disso, recomenda-se que pelo menos dois avaliadores realizem essa tarefa, de forma independente, de modo a permitir o cálculo de um índice de concordância entre avaliadores, como o kappa de Cohen.
Etapa 4: Avaliar a qualidade dos estudos
No modelo proposto por Cooper, a avaliação da qualidade metodológica dos estudo é uma etapa distinta das demais. No entanto, ressaltamos que a extração das informações relevantes para a avaliação da qualidade dos estudos pode ser realizada paralelamente à Etapa 3.
Os fatores relevantes para que um estudo seja considerado de alta qualidade metodológica mudam em diferentes áreas de pesquisa. Apesar disso, como regra geral, existem alguns protocolos desenvolvidos especificamente para auxiliar nessa avaliação.
Por exemplo, o Cochrane risk-of-bias tool for randomized trials (RoB 2) é uma ferramenta padronizada para avaliar risco de vieses em ensaios clínicos randomizados. Entre outros vieses, o RoB 2 avalia riscos decorrentes do processo de aleatorização, de dados ausentes nos desfechos e de falhas na aferição dos desfechos.
Etapa 5: Analisar e integrar os resultados dos estudos
Nesta etapa, pesquisadores fazem uso intensivo da metanálise para integrar os resultados dos estudos recuperados durante a revisão. Nela, pesquisadores definem o modelo metanalítico que adotarão (e.g., modelo de efeito fixo, modelo de efeitos aleatórios) e calculam uma estimativa ponderada de tamanho de efeito, e seu respectivo intervalo de confiança, de modo a sumarizar a literatura relevante.
Além disso, pesquisadores também podem realizar análise de heterogeneidade nos tamanhos de efeito, testar efeitos de moderadores por meio de análise de subgrupos e de metarregressão, e, por fim, implementar técnicas analíticas para diagnosticar a presença e o impacto de viés de publicação na literatura.
Etapa 6: Interpretar a evidência da revisão metanalítica
Nesta etapa, pesquisadores buscam responder à seguinte questão: quais conclusões podemos tirar sobre o estado cumulativo da evidência da área?
Em outras palavras, podemos dividir essa pergunta em múltiplas perguntas relevantes. Qual é a qualidade da evidência disponível? O efeito existe? Qual é o tamanho do efeito? Esse efeito é consistentemente observado na literatura? Existem variáveis moderadoras do efeito e que, portanto, atuam como condições limítrofes da ocorrência do fenômeno? Quais são as implicações dos achados para profissionais e para a teoria? Quais são as limitações da presente revisão? E como ela direciona a pesquisa futura?
Note que evidência de qualidade não é sinônimo de evidência favorável a um efeito ou relação entre variáveis. Por exemplo, os estudos da área podem ter alta qualidade metodológica e, portanto, baixo risco de viés e, ainda assim, indicar que o efeito é pequeno e tem pouca importância prática.
Etapa 7: Apresentar os resultados da revisão metanalítica
Anteriormente, descrevemos as etapas para elaborar uma questão de revisão e para respondê-la adequadamente. No entanto, todos esses esforços serão inúteis, se a comunidade científica não tomar conhecimento do que foi feito.
Para tornar público o conhecimento advindo de seus esforços, pesquisadores devem apresentar seus achados à comunidade acadêmica na forma de artigo científico. Aqui, os autores devem narrar ao público a história da revisão, de uma maneira clara e envolvente.
Para esse fim, você pode lançar mão de representações gráficas, como o fluxograma PRISMA, o forest plot e o funnel plot. Além disso, podemos sumarizar modelos de metarregressão por meio de tabelas ou, ainda, por meio de bubble charts.
Veja também: O que é um artigo científico?
Onde aprender sobre revisão metanalítica?
Neste post, explicamos o que uma revisão metanalítica. Além disso, apresentamos um modelo em sete etapas de como conduzir uma revisão. Para aprender mais sobre o tema, recomendamos a leitura do livro Doing meta-analysis in R, disponível gratuitamente na internet.
Além disso, se você quer aprender como redigir artigos de revisão metanalítica claros e envolventes, recomendamos que leia artigos do Psychological Bulletin, um periódico de alto impacto especializado em publicar sínteses de elevada qualidade sobre pesquisas prévias.
Para concluir, a formação da Psicometria Online Academy conta com módulos de Revisões da Literatura e de Metanálise, que ensinam a realizar revisões da literatura com alto rigor metodológico e a unificar os achados da sua revisão por meio da metanálise, respectivamente.
Se você quer aprender sobre esses conteúdos, então faça parte da Psicometria Online Academy, a maior formação de pesquisadores quantitativos da América Latina. Conheça toda nossa estrutura aqui e nunca mais passe trabalho sozinho(a).
Referência
Cooper, H. (2016). Research synthesis and meta-analysis: A step-by-step approach (5th ed). Sage.
Higgins, J. P. T., & Thomas, J. (Eds.). (2019). Cochrane handbook for systematic reviews of interventions (2nd ed.). The Cochrane Collaboration.
Lakens, D., Hilgard, J., & Staaks, J. (2016). On the reproducibility of meta-analyses: Six practical recommendations. BMC Psychology, 4(24), 1–10. https://doi.org/10.1186/s40359-016-0126-3
Como citar este post
Lima, M. (2022, 20 de maio). Sete etapas para conduzir uma revisão metanalítica. Blog Psicometria Online. https://www.blog.psicometriaonline.com.br/sete-etapas-para-conduzir-uma-revisao-metanalitica/