Neste post, falaremos sobre a ANOVA de Friedman, um dos testes não paramétricos mais utilizados quando lidamos com medidas repetidas.
Primeiramente, explicaremos a origem e a lógica do teste. Em seguida, descreveremos o conceito de postos, fundamental para o cálculo da estatística da ANOVA de Friedman. Nós também apresentaremos um exemplo didático da aplicação do teste. Por fim, descreveremos as hipóteses nula e alternativa do teste e discutiremos se ele é um teste que compara medianas.
A origem da ANOVA de Friedman
Milton Friedman (1912–2006) foi um estatístico e economista estadunidense, vencedor do Prêmio Nobel em Ciências Econômicas em 1976. Em 1937, Friedman apresentou um método para analisar dados de medidas repetidas quando os pressupostos da ANOVA paramétrica não eram atendidos.
Esse procedimento ficou conhecido como ANOVA de Friedman, embora também apareça em alguns textos como teste de Friedman ou como two-way analysis of variance by ranks — muito embora este último termo seja equivocado, pois a ANOVA de Friedman é unifatorial.
Na prática, esse teste é considerado o equivalente não paramétrico da ANOVA de medidas repetidas. Dizemos que temos medidas repetidas quando as mesmas unidades amostrais (e.g., pacientes, sujeitos, células etc.) são mensuradas sob diferentes condições ou em diferentes momentos. Outra aplicação ocorre quando temos dados emparelhados ou agrupados (e.g., medidas de avós, mães e netas que, tomadas em conjunto, constituem tríades)
Enquanto a ANOVA de medidas repetidas tradicional depende dos pressupostos de normalidade dos resíduos e de esfericidade, a versão não paramétrica relaxa essas exigências. Por isso, a ANOVA de Friedman é especialmente útil quando lidamos com amostras pequenas, com outliers ou com distribuições assimétricas.
Sendo assim, usamos a ANOVA de Friedman quando queremos comparar uma variável dependente em função de uma variável independente de medidas repetidas, sem precisarmos fazer suposições fortes sobre as características dos dados.

O que são postos na ANOVA de Friedman?
Assim como outros testes não paramétricos, a ANOVA de Friedman transforma os escores originais em postos. Essa transformação permite comparar observações a partir de suas posições relativas, e não de seus valores absolutos.
Na ANOVA de Friedman, o procedimento ocorre dentro de cada unidade amostral. Por exemplo, suponha que tenhamos mensurado a velocidade de nado (em cm/s) de ratos sob quatro diferentes condições. O Rato 1 obteve os seguintes escores nas quatro condições experimentais:

Para o Rato 1, atribuímos postos às condições experimentais, de forma que o menor escore receba o posto 1, o segundo menor receba o posto 2, e assim sucessivamente:

Em alguns casos, podemos ter empates, isto é, escores idênticos em mais de uma condição experimental. É o que acontece com dois dos escores do Rato 2:

Em caso de empates, atribuímos a média dos postos correspondentes. Por exemplo, como os dois escores de valor 20 são os menores para o Rato 2, ao invés deles receberem os postos 1 e 2, atribuímos a ambos a média desses valores, isto é, (1 + 2) / 2 = 1,5. Sendo assim, para o Rato 2, temos os seguintes postos:

Dessa maneira, a ANOVA de Friedman avalia se há diferenças sistemáticas nos postos das condições. Portanto, mais do que verificar valores absolutos, o teste foca em padrões de ordenação ao longo das diferentes condições experimentais.
A ANOVA de Friedman
Exemplo
Vamos compreender a lógica do teste por meio de um exemplo. Suponha que avaliamos seis ratos em um labirinto aquático de Morris, um teste bastante usado em pesquisas de neurociência e de psicologia experimental (Figura 1).

Nesse tipo de tarefa, o rato nada em uma piscina circular cheia de água e precisa encontrar uma plataforma submersa, aprendendo sua localização ao longo das tentativas experimentais. Assim, a tarefa visa mensurar aprendizagem e memória espacial.
A Tabela 1 apresenta dados hipotéticos dos seis ratos. A primeira coluna indica cada sujeito experimental. As demais colunas correspondem a temperaturas específicas da água (ºC), cada uma indicando uma condição experimental. Os números dentro das células nas Colunas 2 a 5 indicam a velocidade de nado (cm/s) de cada rato em cada condição experimental.
| Rato | 20 ºC | 24 ºC | 27 ºC | 32 ºC |
| 1 | 39 | 38 | 34 | 33 |
| 2 | 29 | 25 | 20 | 20 |
| 3 | 36 | 37 | 29 | 24 |
| 4 | 25 | 29 | 18 | 19 |
| 5 | 31 | 27 | 24 | 22 |
| 6 | 34 | 33 | 30 | 31 |
Em nosso exemplo, a pergunta de pesquisa seria: alterar a temperatura da água afeta a velocidade de nado dos ratos? Essa questão é relevante porque, caso a temperatura influencie a velocidade, experimentos que buscam avaliar a memória espacial precisarão controlar cuidadosamente esse fator. Dessa forma, garante-se que diferenças observadas no desempenho dos sujeitos não sejam confundidas com variações causadas pela temperatura da água.
Intuição por trás do cálculo da estatística da ANOVA de Friedman
O cálculo da estatística da ANOVA de Friedman segue três passos principais:
- Para cada animal, ranqueamos as condições de temperatura, atribuindo postos às velocidades de nado. Anteriormente já vimos a lógica dessa transformação dos escores em postos.
- Em seguida, somamos os postos correspondentes a cada temperatura, considerando todos os animais. Note, portanto, que a soma é feita por condição experimental — a soma por sujeito é fixa para todos os sujeitos.
- Por fim, calculamos a estatística de Friedman, representada por χ2F ou Fr (àqueles interessados na fórmula, recomendamos consultar Field, 2017, Capítulo 7).
O valor de χ2F indica o quanto os postos diferem entre as condições. Se a condição experimental não exercer efeito sobre os escores, então as somas dos postos será similar nas diferentes condições experimentais, levando a um χ2F que tenderá a zero. Em contrapartida, quanto maior esse valor, mais fortes são as evidências de que pelo menos uma condição difere das demais.
Assim como na ANOVA de medidas repetidas, a ANOVA de Friedman não aponta diretamente quais grupos diferem. Portanto, se o resultado for significativo, precisamos aplicar testes post hoc específicos para comparações múltiplas, como os testes de Nemenyi e de Conover.
Por exemplo, o JASP implementa o teste de Conover. Já o SPSS não informa, de forma transparente, qual é o teste post hoc implementado após uma ANOVA de Friedman estatisticamente significativa.
Quais são as hipóteses nula e alternativa da ANOVA de Friedman?
As hipóteses testadas pela ANOVA de Friedman podem ser resumidas da seguinte forma:
- Hipótese nula (H0): os postos das condições são iguais, ou seja, a temperatura da água não influencia os postos das velocidades de nado.
- Hipótese alternativa (H1): pelo menos um par de condições difere entre si, isto é, pelo menos um par de temperaturas da água influencia os postos das velocidades de nado.
Definimos um nível de significância (α), usualmente de 5%. Se o valor p for menor que α, rejeitamos H0 e concluímos que há evidências de efeito da temperatura da água sobre a velocidade de nado. Contudo, testes post hoc serão necessários para identificarmos quais temperaturas especificamente diferem entre si.
A ANOVA de Friedman compara medianas?
Uma ideia comum, mas equivocada, é que a ANOVA de Friedman compara medianas. Isso não procede, pois a mediana sequer aparece na fórmula do teste (Field, 2017).
A confusão pode surgir porque, ao descrever dados analisados pela ANOVA de Friedman, costuma-se reportar as medianas dos escores.
Por exemplo, a Figura 2 mostra a velocidade de nado em diferentes temperaturas da água, destacando as medianas de cada condição. Essa escolha facilita a interpretação, já que os valores permanecem na unidade original.

No entanto, como já vimos, a estatística da ANOVA de Friedman não se baseia diretamente nos valores brutos. A Figura 3 ilustra melhor a lógica do teste: os escores são transformados em postos dentro de cada sujeito, e o que se compara são as somas dos postos entre condições.

Como a média é apenas a soma dividida por um número fixo de sujeitos, ambas estão perfeitamente correlacionadas. Por isso, costuma-se representar a média dos postos, pois ela mantém o valor abaixo do número de condições experimentais (em nosso exemplo, k = 4).
Portanto, ainda que seja bem aceito relatar medianas dos escores para comunicar resultados de forma clara, é importante lembrar: a ANOVA de Friedman não compara medianas. Seu foco está nos postos atribuídos a cada condição e em suas somas, refletindo diferenças consistentes de ordem entre os tratamentos.
Conclusão
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Referências
Field, A. (2017). Discovering statistics using IBM SPSS Statistics (5th ed.). Sage.
Friedman, M. (1937). The use of ranks to avoid the assumption of normality implicit in the analysis of variance. Journal of the American Statistical Association, 32(200), 675–701. https://doi.org/10.2307/2279372
Scheff, S. W. (2016). Nonparametric statistics. In S. W. Scheff (Ed.), Fundamental statistical principles for the neurobiologist : A survival guide (pp. 157–182). Elsevier. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-804753-8.00008-7
Como citar este post
Lima, M. (2025, 17 de setembro). O que é a ANOVA de Friedman? Blog Psicometria Online. https://blog.psicometriaonline.com.br/o-que-e-anova-de-friedman
