Neste post, falaremos sobre a revisão narrativa. Primeiramente, apresentaremos o conceito geral de revisão da literatura e, em seguida, descreveremos a revisão narrativa, diferenciando-a da sistemática. Em seguida, nós descreveremos as vantagens e as desvantagens da revisão narrativa. Por fim, nós listaremos cinco objetivos comuns das revisões narrativas.
Revisão da literatura e revisão narrativa
A revisão da literatura é um tipo de pesquisa baseada em fontes secundárias que descreve, sintetiza e interpreta a produção científica sobre determinados conceitos, fenômenos ou teorias. Esse gênero abrange diversas modalidades, entre as quais se destaca a revisão narrativa.
A revisão narrativa é um tipo de revisão que faz uma avaliação crítica e descritiva das teorias e evidências disponíveis, sem recorrer a métodos estatísticos ou critérios formais de inclusão da evidência examinada. Desse modo, ela permite organizar e integrar o conhecimento existente, identificando tendências e lacunas.

Quais são as diferenças entre revisão narrativa e revisão sistemática?
A revisão sistemática é um tipo de revisão da literatura que busca responder a uma pergunta específica, utilizando critérios explícitos para localizar, selecionar e avaliar estudos. Seu objetivo é reduzir o viés e produzir evidências confiáveis, muitas vezes culminando no uso de uma síntese quantitativa, por meio de metanálise.
Já a revisão narrativa, em contraste, é mais aberta. Ela não se limita a um protocolo fixo, mas privilegia a compreensão teórica e a integração de diferentes abordagens.
Por exemplo, se você contrastar diferentes revisões sistemáticas, provavelmente identificará um padrão na estrutura textual (Introdução, Método, Resultados e Discussão), enquanto a estrutura de uma revisão narrativa diferirá a depender do objeto da revisão (ver seção Cinco objetivos comuns das revisões narrativas).
Para uma síntese das principais diferenças entre revisões narrativas e sistemáticas, veja a Tabela 1.
| Característica | Revisão narrativa | Revisão sistemática |
| Questão | Com frequência, de escopo amplo | Com frequência, de escopo restrito (e.g., clínico) |
| Fontes e busca | Geralmente não especificadas e potencialmente enviesadas | Fontes abrangentes e estratégias de busca explícitas |
| Seleção | Geralmente não especificadas e potencialmente enviesadas | Seleção baseada em critérios aplicados uniformemente |
| Avaliação | Variável | Avaliação crítica rigorosa |
| Síntese | Com frequência, um resumo qualitativo | Qualitativo ou quantitativo (i.e., metanalítico) |
| Inferências | Às vezes, baseadas em evidências | Geralmente, baseadas em evidências |
Quais são as vantagens e as desvantagens da revisão narrativa?
Entre as principais vantagens da revisão narrativa, destacam-se a liberdade interpretativa e a capacidade de articular resultados de estudos muito diversos. Esse tipo de revisão é particularmente útil quando as pesquisas disponíveis apresentam delineamentos de pesquisa heterogêneos, o que inviabiliza análises quantitativas.
Além disso, a revisão narrativa incentiva a criatividade teórica, pois permite reinterpretar dados sob novas perspectivas e propor relações entre fenômenos aparentemente desconectados.
Por exemplo, considere o controle inibitório, um mecanismo que suprime respostas prepotentes, de modo a permitir substituí-las por uma resposta alternativa, está presente na literatura de funções executivas. Esse mecanismo é proposto como um candidato a explicar desempenhos em tarefas de Stroop e tarefa go/no-go.
Anderson (2003) incorporou essa ideia, oriunda da literatura de funções executivas, à literatura de psicologia da memória, a fim de explicar o importante fenômeno do esquecimento em diferentes paradigmas experimentais. Certamente, revisar concomitantemente duas literaturas distintas, seria uma tarefa inviável em uma revisão sistemática, mas não em uma revisão narrativa.
Por outro lado, as revisões narrativas não são livres de críticas. Primeiramente, elas adotam uma abordagem subjetiva, sem critérios sistemáticos de coletar e analisar a literatura. Desse modo, essa falta de transparência torna difícil que um pesquisador independente consiga reproduzi-la.
Além disso, conforme a literatura cresce em tamanho, torna-se mais difícil sumarizá-la por meio de revisões narrativas. Intrinsecamente associado a esse problema, autores de revisões narrativas tratam as informações revisadas como discretas (i.e., o estudo fornece suporte ou não oferece suporte para um efeito).
Isso se contrasta com as revisões sistemáticas com metanálise, que conseguem quantificar a magnitude da evidência dando suporte para um efeito — por meio das medidas de tamanho de efeito.

Cinco objetivos comuns das revisões narrativas
Os objetivos de uma revisão narrativa podem variar bastante, mas, em geral, todos visam ampliar a compreensão teórica de um fenômeno. Baumeister e Leary (1997) descrevem cinco grandes objetivos das revisões narrativas.
Em seguida, falaremos sobre cada um deles, fornecendo exemplos. Note, contudo, que uma revisão pode ter mais de um dos cinco objetivos, ou, alternativamente, dar mais peso a determinado objetivo que aos demais.
Revisão narrativa e o desenvolvimento de teoria(s)
Primeiramente, uma revisão narrativa pode propor uma nova teoria ou modelo conceitual sobre determinado fenômeno. Em geral, uma revisão com essa ambição apresenta os fenômenos-chave que considera que uma boa teoria deve explicar. Em seguida, introduz uma teoria que é capaz de dar conta desses fenômenos melhor que as teorias vigentes.
Por exemplo, Karpicke et al. (2014) discorrem sobre o efeito de prática de lembrar, o achado de que lembrar ativamente as informações fortalece a memória subsequente dessas mesmas informações.
Depois de descreverem os principais fenômenos produzidos por essa estratégica mnemônica, bem como as teorias existentes e suas limitações, eles apresentam a teoria do contexto episódico, seus pressupostos, e como ela é capaz de explicar diferentes fenômenos de memória.
Revisão narrativa e a avaliação de teoria(s)
Ao invés de desenvolver nova(s) teoria(s), certas revisões buscam examinar a validade de teorias existentes ou comparar modelos concorrentes à luz da literatura.
Por exemplo, considere o efeito Stroop, um fenômeno em que os participantes demoram mais tempo para nomear a cor da tinta quando a palavra escrita designa uma cor diferente (e.g., a palavra VERDE impressa na cor vermelha). Por exemplo, na figura a seguir, os retângulos sinalizados com as letras c e i sinalizam tentativas congruentes (palavra e cor iguais) e incongruentes (palavra e cor diferentes), respectivamente.

Em uma revisão narrativa, MacLeod (1991) avalia criticamente duas teorias principais sobre o fenômeno, à luz do corpo de evidências de mais de meio século de pesquisa.
Revisão narrativa e a síntese do estado da arte sobre um determinado tópico
Muitas revisões narrativas têm como propósito sintetizar o estado atual do conhecimento, reunindo resultados de diferentes linhas de pesquisa para apresentar um panorama crítico e atualizado.
Um exemplo clássico são os artigos publicados nos periódicos da série Annual Review (e.g., Annual Review of Psychology), que consolidam o que há de mais relevante em cada área de conhecimento.

Escritos por experts da área, artigos de revisão publicados nos Annual Reviews geralmente não seguem protocolos sistemáticos formais, mas integram criticamente um corpo amplo de evidências, articulando teoria, história e implicações futuras — exatamente o que caracteriza uma boa revisão narrativa.
Revisão narrativa e a identificação de lacunas
Em geral, boas revisões de literatura — narrativas ou não — devem identificar lacunas e apontar direções futuras de pesquisa. No entanto, existem revisões que têm esses como seus principais objetivos.
É o que acontece, por exemplo, na revisão de literatura da seção de Introdução de artigos empíricos. Muito embora um artigo empírico não seja de revisão, o elemento revisão está ali presente, de maneira enxuta, visando fornecer contexto para a relevância do estudo.
Da mesma forma, ao pleitear uma bolsa de fomento ou uma vaga em programas de pós-graduação, candidatos precisam convencer os examinadores da relevância, do ineditismo e da exequibilidade de seus projetos de pesquisa. Uma boa maneira de convencê-los é por meio de uma boa revisão, que aponta lacunas e soluções para preenchê-las.

Revisão narrativa e a reconstrução da trajetória histórica de um campo
Por fim, certas revisões narrativas almejam delinear a evolução histórica de ideias e pesquisas sobre um tópico específico.
Schacter (1987) é um bom exemplo desse tipo de revisão. A literatura contemporânea de psicologia da memória reconhece a divisão entre memórias explícitas e implícitas. Em síntese, Schacter revisa as primeiras observações daquilo que hoje veio a ser conhecido como memória implícita, descreve os achados experimentais modernos sobre esse tipo de memória e sugere novas direções para futuras investigações.
Note que, mesmo em uma revisão histórica, a proposta de Schacter (1987) não se limita à descrição, mas também contribui para o avanço de sua disciplina ao gerar novas perguntas e interpretações.
Conclusão
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Referências
Anderson, M. C. (2003). Rethinking interference theory: Executive control and the mechanisms of forgetting. Journal of Memory and Language, 49(4), 415–445. https://doi.org/10.1016/j.jml.2003.08.006
Baumeister, R. F., & Leary, M. R. (1997). Writing narrative literature reviews. Review of General Psychology, 1(3), 311–320. https://doi.org/10.1037/1089-2680.1.3.311
Borenstein, M., Hedges, L. V., Higgins, J. P. T., & Rothstein, H. R. (2009). Introduction to meta-analysis. Wiley.
Cook, D. J., Mulrow, C. D., & Haynes, R. B. (1997). Systematic reviews: Synthesis of best evidence for clinical decisions. Annals of Internal Medicine, 126(5), 376–380. https://doi.org/10.7326/0003-4819-126-5-199703010-00006
Karpicke, J. D., Lehman, M., & Aue, W. R. (2014). Retrieval-based learning: An episodic context account. In B. H. Ross (Ed.), Psychology of learning and motivation (vol. 61., pp. 237–284). Elsevier Academic Press. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-800283-4.00007-1
MacLeod, C. M. (1991). Half a century of research on the Stroop effect: An integrative review. Psychological Bulletin, 109(2), 163–203. https://doi.org/10.1037/0033-2909.109.2.163
Schacter, D. L. (1987). Implicit memory: History and current status. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, and Cognition, 13(3), 501–518. https://doi.org/10.1037/0278-7393.13.3.501
Siddaway, A. P., Wood, A. M., & Hedges, L. V. (2019). How to do a systematic review: A best practice guide for conducting and reporting narrative reviews, meta-analyses, and meta-syntheses. Annual Review of Psychology, 70(9), 747–770. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010418-102803
Como citar este post
Lima, M. (2025, 21 de outubro). O que é uma revisão narrativa? Blog Psicometria Online. https://blog.psicometriaonline.com.br/o-que-e-uma-revisao-narrativa
